Imagine-se caminhando pelas ruas de Belém do Pará, onde o passado e o presente se entrelaçam em cada esquina, em cada edifício secular, em cada aroma que vem dos mercados e portos. Como historiador com mais de seis décadas de dedicação à trajetória desta metrópole amazônica, convido você a embarcar comigo nesta viagem pelo tempo, explorando as origens, as glórias e os desafios que moldaram Belém.
As Origens de Belém: Entre a Estratégia e a Colonização
Nos idos de 12 de janeiro de 1616, um pequeno grupo de portugueses, liderado por Francisco Caldeira Castelo Branco, fincou raízes às margens da imponente Baía do Guajará, erguendo o Forte do Presépio. Esse ato não foi meramente um gesto de colonização, mas uma estratégia bem calculada: Belém surgia como uma fortaleza avançada contra os invasores europeus — holandeses, ingleses e franceses — que cobiçavam as riquezas da Amazônia.
A cidade nasceu sob desafios extremos: a resistência ferrenha dos povos indígenas, como os Tupinambás, as dificuldades de adaptação ao clima e às doenças tropicais. Mas, pouco a pouco, Belém cresceu, tornando-se o ponto de entrada dos portugueses na imensidão verde da floresta amazônica.
Com a colonização vieram os engenhos, as fazendas e a introdução da cultura da cana-de-açúcar, além da catequização dos indígenas pelos missionários jesuítas. O comércio de especiarias e produtos naturais da floresta, como as drogas do sertão (urucum, cacau, guaraná, baunilha), transformou Belém em um polo comercial que irradiava influência sobre toda a região.
O Ciclo da Borracha: A Era de Ouro de Belém
Se o século XVII foi de fundação e consolidação, o século XIX trouxe a apoteose econômica de Belém com o Ciclo da Borracha. O mundo industrializado demandava cada vez mais látex para a produção de pneus, fios elétricos e uma infinidade de produtos. E a Amazônia possuía as seringueiras mais abundantes do planeta.
Entre 1879 e 1912, a cidade viveu sua Belle Époque particular, transformando-se em um dos maiores centros urbanos do Brasil. A riqueza gerada pelo látex deu origem a uma elite refinada, que importava da Europa modas, costumes e arquiteturas luxuosas. Belém iluminou suas ruas antes de muitas capitais europeias e construiu edifícios majestosos que até hoje encantam seus visitantes.
Os traços desse período ainda podem ser vistos em marcos históricos como:
- O Theatro da Paz (1878) – inspirado no Teatro Scala de Milão, um dos mais belos do Brasil.
- O Mercado Ver-o-Peso (1688) – ainda mais movimentado na era da borracha, servindo como ponto de encontro de comerciantes e viajantes.
- O Palácio Antônio Lemos – sede da Intendência Municipal, símbolo da opulência da época.
- A Basílica de Nazaré – erguida com mármore de Carrara e vitrais franceses, refletindo a grandiosidade do período.
A modernidade também chegava em forma de bondes elétricos, largas avenidas arborizadas e suntuosos casarões. Mas essa bonança tinha seu lado sombrio: os seringueiros, que trabalhavam no interior da floresta, viviam sob condições de exploração severa, criando um abismo social entre a elite urbana e os trabalhadores do seringal.
No entanto, a Era da Borracha não duraria para sempre. Com a introdução do cultivo da seringueira na Ásia, os preços do látex desabaram e Belém mergulhou em um período de decadência econômica.
A Cabanagem: A Revolta que Incendiou a Amazônia
Mas antes da ascensão da borracha, Belém já havia vivido momentos de intensas tensões sociais. No início do século XIX, o povo paraense protagonizou uma das revoltas mais marcantes da história do Brasil: A Cabanagem (1835-1840).
Movida pelo descontentamento das classes populares — indígenas, negros, mestiços e brancos pobres — contra a elite colonial portuguesa e os governantes recém-independentes, a revolta teve início em 1835. O nome “Cabanagem” vem das cabanas ribeirinhas onde moravam os revoltosos.
Os líderes dessa insurreição, como Eduardo Angelim, Francisco Vinagre e Félix Malcher, conseguiram um feito impressionante: tomaram Belém e estabeleceram um governo popular. No entanto, a repressão foi brutal. Tropas imperiais massacraram os revoltosos, deixando um rastro de destruição e cerca de 30 a 40% da população paraense dizimada.
A Cabanagem marcou profundamente a identidade do povo paraense, tornando-se um símbolo de resistência contra a opressão. Até hoje, seu legado é lembrado em músicas, literatura e manifestações culturais.
Belém Contemporânea: Tradição e Modernidade na Amazônia
A Belém dos dias atuais é uma cidade vibrante, que equilibra sua riqueza histórica com as dinâmicas de um centro urbano moderno. Seu coração ainda pulsa forte no Ver-o-Peso, onde aromas de tucupi, jambu e peixes amazônicos se misturam ao burburinho dos comerciantes.
Entre os eventos mais emblemáticos da cidade, nenhum se compara ao Círio de Nazaré. Realizado anualmente em outubro, este é um dos maiores eventos religiosos do mundo, reunindo mais de dois milhões de fiéis em uma procissão emocionante em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. O Círio não é apenas uma demonstração de fé, mas uma verdadeira celebração da cultura paraense, onde a culinária, a música e as tradições amazônicas brilham em toda sua plenitude.
Além do Círio, Belém oferece experiências únicas como:
- Mangal das Garças – um parque ecológico que reúne a fauna e flora amazônica.
- Estação das Docas – um complexo gastronômico e cultural à beira do rio.
- Forte do Presépio e Museu do Encontro – para quem deseja reviver os primórdios da cidade.
A cidade também se prepara para novos desafios, como o crescimento urbano e a preservação ambiental da Floresta Amazônica, que ainda desempenha um papel vital na economia e identidade cultural de Belém.
Belém, a Joia da Amazônia
Belém não é apenas um ponto no mapa, mas um mosaico de histórias, um reflexo da resistência e da riqueza cultural da Amazônia. Das batalhas da colonização ao esplendor da borracha, das revoltas populares à devoção do Círio, cada pedra de suas ruas ecoa os passos de gerações que moldaram essa cidade singular.
Se um dia você visitar Belém, pare diante do Ver-o-Peso ao amanhecer, sinta o cheiro da chuva misturado ao aroma das ervas amazônicas, ouça o canto das garças no Mangal das Garças e experimente um verdadeiro tacacá. Só então você entenderá que Belém do Pará não é apenas um destino – é uma história viva, pulsante e eterna.