Análise Abrangente das Organizações Não Governamentais (ONGs) na Amazônia Brasileira: Escopo, Impacto e Panorama Financeiro

A Amazônia brasileira é um epicentro de atuação para uma vasta e heterogênea rede de Organizações Não Governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil (OSCs). As estimativas do número dessas entidades variam significativamente, de aproximadamente 16 mil a mais de 116 mil, refletindo a complexidade metodológica e as diferentes definições utilizadas para categorizar esses atores. Essas organizações desempenham papéis cruciais na defesa ambiental, na proteção dos direitos indígenas, no fomento ao desenvolvimento sustentável e na provisão de serviços sociais essenciais para comunidades remotas.

O financiamento das ONGs na Amazônia provém de fontes diversas, incluindo doações internacionais, nacionais e subsídios governamentais, notadamente através do Fundo Amazônia. Esse fundo, em particular, demonstra um modelo robusto de colaboração entre o setor público, doadores internacionais e a sociedade civil, canalizando bilhões de reais para projetos de conservação e desenvolvimento. No entanto, o setor não está isento de controvérsias. Relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) têm levantado preocupações persistentes sobre a transparência financeira, a aplicação indevida de recursos, a falta de regulamentação adequada e alegações de interesses ocultos, incluindo biopirataria e interferência na soberania nacional.

A coexistência de contribuições positivas substanciais com alegações de irregularidades sublinha a natureza multifacetada e, por vezes, paradoxal da atuação das ONGs na região. A compreensão desse cenário complexo é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes que maximizem os benefícios das parcerias com a sociedade civil, ao mesmo tempo em que garantem a devida fiscalização e prestação de contas.

 

1. Introdução

 

1.1. A Importância Estratégica da Amazônia e o Papel das ONGs

 

A Amazônia, com sua vasta extensão e inestimável biodiversidade, é um bioma de importância global, essencial para a regulação climática e a manutenção de ecossistemas vitais. Sua relevância transcende as fronteiras nacionais, tornando-a um foco de atenção para esforços de conservação e desenvolvimento sustentável em todo o mundo. Nesse contexto, as Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras Organizações da Sociedade Civil (OSCs) emergem como atores de grande relevância, atuando em uma miríade de frentes para enfrentar os complexos desafios socioambientais da região. Esses desafios incluem o desmatamento, a mineração ilegal, a proteção dos direitos dos povos indígenas e a promoção de modelos de desenvolvimento que sejam tanto ecologicamente sustentáveis quanto socialmente justos.

A atuação dessas organizações, no entanto, é frequentemente objeto de debates e escrutínio, com discussões sobre sua eficácia, transparência e alinhamento com os interesses nacionais. Este relatório busca oferecer uma visão detalhada dessa presença multifacetada, analisando a escala de sua operação, a natureza de seu trabalho, os fluxos financeiros que as sustentam e suas interações com o governo brasileiro.

 

1.2. Objetivo e Estrutura do Relatório

 

O objetivo central deste relatório é fornecer uma análise abrangente e baseada em evidências sobre as ONGs que operam na Amazônia brasileira. Para tanto, o estudo se propõe a responder a questões fundamentais: quantas ONGs estão presentes na região, quais são suas principais atividades e objetivos, qual o volume de seus investimentos e como se dá sua colaboração com órgãos governamentais, em particular o Ministério do Meio Ambiente.

A estrutura do relatório foi concebida para abordar sistematicamente essas questões, apresentando dados disponíveis, identificando tendências e examinando as controvérsias associadas à atuação dessas entidades. A análise busca oferecer uma compreensão holística do papel das ONGs na Amazônia, reconhecendo tanto suas contribuições quanto os desafios inerentes à sua operação e fiscalização.

 

2. Quantificação e Caracterização das ONGs na Amazônia

 

2.1. Estimativas Atuais e Variações Metodológicas

 

A quantificação exata do número de ONGs atuantes na Amazônia brasileira é um desafio notável, com estimativas que apresentam variações consideráveis, dependendo da metodologia e das definições empregadas. Essa discrepância nos números não se deve apenas a dados desatualizados, mas fundamentalmente a diferentes interpretações do que constitui uma “ONG” ou “Organização da Sociedade Civil” (OSC), bem como a distintas abordagens de coleta de dados.1

Em 2011, o General Maynard Marques Santa Rosa, então secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, informou a existência de aproximadamente 100.000 organizações não-governamentais operando na Amazônia brasileira, um número que teria sido coletado por sistemas de inteligência das forças de segurança.2 Essa cifra, notavelmente alta, alinha-se com uma interpretação ampla de “organizações”, possivelmente para fins de monitoramento de segurança, em vez de um foco estrito em ONGs formais de cunho ambiental ou social.

Estimativas mais recentes continuam a refletir essa amplitude. O Index Zoé estima que 77.589 ONGs atuam na Amazônia em causas sociais e ambientais.1 Por sua vez, o

IPEA (2023) projeta um número ainda maior, aproximando-se de 116.500 Organizações da Sociedade Civil (OSCs) na Amazônia Legal.1 Em contraste, um estudo do

IBGE (2016), baseado no Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), identificou cerca de 15.919 Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos nos nove estados que compõem a Amazônia Legal.1 Essa última cifra, significativamente menor, abrange um espectro mais amplo de entidades sem fins lucrativos, incluindo associações de moradores e sindicatos, e não se restringe apenas às ONGs dedicadas a causas socioambientais específicas.

A vasta gama de estimativas, que vai de cerca de 16 mil a 116 mil, aponta para uma ambiguidade fundamental na definição e categorização dessas entidades. A diferença entre os dados do IBGE, baseados em registros formais, e as estimativas mais elevadas do IPEA ou da inteligência militar, sugere que uma parcela considerável das “organizações” pode ser composta por grupos informais, associações comunitárias ou entidades não registradas primariamente para causas socioambientais específicas. Essa falta de uma contagem e definição consistentes e universalmente aceitas representa um desafio considerável para a governança e a fiscalização eficazes do setor de ONGs na Amazônia. A ausência de clareza pode gerar confusão pública e alimentar narrativas de opacidade ou falta de controle, como as preocupações levantadas pelo General Santa Rosa sobre “interesses ocultos”.2 Quando até mesmo órgãos oficiais divergem na quantificação dessas entidades, o ambiente se torna propício para a suspeita e dificulta a distinção entre atores legítimos e aqueles envolvidos em atividades ilícitas.

 

2.2. Diversidade e Abrangência Geográfica das Organizações

 

As ONGs atuam em toda a vasta extensão da Amazônia Legal, abrangendo uma diversidade de biomas e contextos socioculturais.1 Suas atividades se espalham por diversas áreas temáticas, refletindo a multiplicidade de desafios e oportunidades presentes na região. A distribuição geográfica e a variedade de focos de atuação demonstram a capilaridade e a capacidade de adaptação dessas organizações às realidades locais.

Tabela 1: Comparativo de Estimativas do Número de ONGs Atuantes na Amazônia Legal

 

Fonte da Estimativa

Número Estimado

Ano da Estimativa

Definição/Metodologia

Notas/Observações

General Santa Rosa (Min. Defesa)

~100.000

2011

ONGs operando na Amazônia brasileira (coletado por sistemas de inteligência)

Cifra elevada, pode incluir entidades com “interesses ocultos”.2

Index Zoé

77.589

Não especificado

ONGs atuando em causas sociais e ambientais

Busca um ponto intermediário entre as estimativas.1

IPEA

~116.500

2023

Organizações da Sociedade Civil (OSCs) na Amazônia Legal

Considerada mais abrangente.1

IBGE

15.919

2016

Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos nos estados da Amazônia Legal (Cadastro Central de Empresas – CEMPRE)

Inclui ONGs, associações de moradores, sindicatos e fundações; número mais baixo devido à formalidade do registro.1

 

3. Atuação, Objetivos e Projetos Principais das ONGs

 

3.1. Áreas Temáticas de Intervenção

 

As ONGs na Amazônia se dedicam a um amplo espectro de atividades, abordando as complexas interconexões entre o meio ambiente, os povos tradicionais e o desenvolvimento socioeconômico. Suas intervenções concentram-se principalmente nas seguintes áreas:

  • Defesa Ambiental: Essas organizações estão na linha de frente do combate ao desmatamento, à exploração ilegal de madeira e minérios, e à promoção da conservação e uso sustentável dos recursos naturais.2 Elas realizam monitoramento, denúncias e campanhas de conscientização para proteger a floresta e seus ecossistemas.
  • Direitos e Apoio Indígena: Um pilar fundamental da atuação das ONGs é a defesa dos direitos dos povos indígenas, a demarcação e proteção de suas terras, a valorização de suas culturas e a promoção de sua autonomia e bem-estar.2 Isso inclui ações para garantir saúde e educação diferenciadas e de qualidade.
  • Desenvolvimento Sustentável e Bioeconomia: Muitas ONGs trabalham para fomentar alternativas econômicas que garantam a floresta em pé. Isso se traduz em projetos de agroecologia, agricultura familiar sustentável, manejo florestal e turismo de base comunitária, visando gerar renda e oportunidades sem comprometer os recursos naturais.3
  • Desenvolvimento Social e Comunitário: A melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais e ribeirinhas é um objetivo central. As ações incluem programas de saúde (como acesso à água potável e saneamento), educação e inclusão digital, buscando fortalecer a cidadania e o bem-estar social.4
  • Pesquisa e Advocacia de Políticas: Organizações especializadas desenvolvem estudos, análises e soluções baseadas em dados e evidências científicas para qualificar o debate público e influenciar a formulação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades.7

 

3.2. Perfis de ONGs e Iniciativas Notáveis

 

A diversidade do setor de ONGs na Amazônia pode ser ilustrada pelos perfis e projetos de algumas das organizações mais proeminentes:

  • Amigos da Terra – Amazônia Brasileira 12: Esta organização tem como objetivo principal a promoção de iniciativas sustentáveis que visam o desmatamento zero nos habitats naturais brasileiros, com foco prioritário na Amazônia.13 Seus programas incluem “Cadeias Agropecuárias”, “Florestas” e “Comunicação”.12 A ênfase explícita em “Cadeias Agropecuárias” revela uma compreensão de que a proteção ambiental na Amazônia não pode ser dissociada das atividades econômicas. Essa abordagem estratégica busca engajar os motores do desmatamento, visando transformar práticas insustentáveis em setores econômicos chave. Isso sugere uma metodologia mais integrada e potencialmente mais eficaz para alcançar a sustentabilidade a longo prazo.
  • WRI Brasil (World Resources Institute) 7: O WRI Brasil é um instituto de pesquisa que se dedica a transformar grandes ideias em ações concretas para a proteção ambiental, a geração de oportunidades econômicas e a promoção do bem-estar humano. Sua atuação se concentra nas áreas de clima, florestas e cidades.7 Dentre seus projetos de destaque estão a “Nova Economia da Amazônia”, que desenvolve estudos e ações para um desenvolvimento econômico livre de desmatamento, e a “Regeneração Natural Assistida em larga escala na Amazônia brasileira”, que visa acelerar a restauração de áreas degradadas e gerar renda para as comunidades.7 A ênfase do WRI Brasil no “rigor científico” e na construção de soluções “fundamentadas em dados e evidências” 9, combinada com projetos como a “Nova Economia da Amazônia”, marca uma tendência importante: a transição para modelos econômicos e políticas de conservação baseados em evidências. Isso indica um reconhecimento de que o desenvolvimento sustentável na Amazônia exige não apenas proteção, mas também alternativas econômicas viáveis, respaldadas por pesquisa rigorosa, para serem verdadeiramente eficazes e escaláveis.
  • COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira 4: Fundada em 1989, a COIAB representa mais de 160 organizações indígenas da Amazônia brasileira. Seu objetivo central é a auto-representação dos povos indígenas na luta por seus direitos, incluindo a demarcação de suas terras tradicionais, a garantia de saúde e educação de qualidade e a promoção da sustentabilidade e diversidade cultural.4 A organização desenvolve mais de 33 projetos estratégicos em toda a Amazônia, com foco em articulação política, desenvolvimento institucional e apoio a grupos específicos, como mulheres, jovens e povos isolados.6 O objetivo fundamental da COIAB, a “auto-representação dos povos indígenas na luta por seus direitos” 6, e sua representação direta de mais de 160 organizações indígenas 4, sublinham um paradigma crucial na conservação amazônica. Isso significa que a proteção não é apenas
    para os povos indígenas, mas por e através deles, reconhecendo seu conhecimento ancestral e manejo territorial como pilares centrais para a preservação da floresta. Essa abordagem sinaliza uma mudança de intervenções externas para o empoderamento de estruturas de governança locais e tradicionais.
  • Projeto Saúde e Alegria (PSA) 4: O PSA é uma iniciativa civil sem fins lucrativos que atua na Amazônia brasileira desde 1987. Seu principal objetivo é melhorar a qualidade de vida e o exercício da cidadania das comunidades por meio de processos participativos de desenvolvimento integrado e sustentável. A organização utiliza a arte, a ludicidade e a comunicação popular em sua metodologia.4 Seus programas abrangem Desenvolvimento Territorial, Saúde Comunitária (com destaque para a Saúde da Família Fluvial Abaré), Educação, Cultura e Comunicação, e Economia da Floresta (incluindo cadeias da sociobiodiversidade e energias renováveis).8 A “abordagem holística” do PSA 4, manifestada em suas quatro frentes principais de atuação (Desenvolvimento Territorial, Saúde Comunitária, Economia da Floresta e Educação, Cultura e Comunicação) 8, demonstra uma compreensão abrangente de que a sustentabilidade ambiental está intrinsecamente ligada ao bem-estar humano e ao empoderamento local. Isso sugere que a conservação eficaz da Amazônia exige que as dimensões sociais, econômicas e culturais sejam abordadas simultaneamente, em vez de intervenções ambientais isoladas.
  • Greenpeace Brasil 4: Como uma ONG global com forte presença na Amazônia, o Greenpeace Brasil se destaca no combate ao desmatamento, à exploração ilegal de madeira e minérios, e na defesa dos direitos das comunidades indígenas e tradicionais.4 Suas campanhas incluem “Petróleo na Amazônia não!”, “Amazônia livre do garimpo” e “Luta pela justiça climática”.5 O foco do Greenpeace em “investigar e denunciar crimes ambientais” e em “ações públicas não-violentas” 5 o posiciona como um guardião crítico e uma força de advocacia. Enquanto outras ONGs se concentram no desenvolvimento local, o papel do Greenpeace em expor atividades ilícitas e pressionar governos e corporações 5 gera um impacto mais amplo, ao aumentar a conscientização pública e impulsionar mudanças políticas, mesmo que não implementem diretamente projetos comunitários.
  • Instituto Escolhas 9: Esta organização se dedica a desenvolver e compartilhar estudos e análises sobre temas essenciais para o desenvolvimento sustentável. Seu trabalho visa trazer abordagens inovadoras para os desafios socioambientais e construir soluções baseadas em dados e evidências científicas.9 O Instituto busca qualificar o debate público, traduzindo numericamente os desafios do país e propondo soluções para o desenvolvimento sustentável e a redução das desigualdades.10 Suas linhas de atuação incluem análise e melhoria de políticas, eficiência do Estado, pesquisa de dados e mobilização da sociedade.11
  • Instituto Peabiru 9: Uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) com 23 anos de atuação, o Instituto Peabiru tem a missão de fomentar o protagonismo de grupos sociais da Amazônia para a promoção do pleno acesso aos seus direitos fundamentais.9 Com sede em Belém, Pará, a organização atua prioritariamente na Amazônia Oriental, focando no fortalecimento da organização social e na valorização da sociobiodiversidade, especialmente para populações extrativistas e agricultores familiares.15 Suas atividades incluem assistência técnica, fortalecimento de cadeias de valor da sociobiodiversidade (como açaí e pesca artesanal) e parcerias de responsabilidade social corporativa.15

Tabela 2: Exemplos de ONGs Chave na Amazônia: Objetivos e Projetos Destaque

 

ONG Nome

Área(s) de Foco Principal

Objetivos Chave

Exemplos de Projetos/Programas

Amigos da Terra – Amazônia Brasileira

Desmatamento Zero, Cadeias Agropecuárias, Florestas

Promover iniciativas sustentáveis para desmatamento zero, transformar práticas insustentáveis.

Programa Cadeias Agropecuárias, Programa Florestas, Programa Comunicação.12

WRI Brasil

Clima, Florestas, Cidades, Bioeconomia

Proteger o meio ambiente, gerar oportunidades econômicas, promover bem-estar humano, desenvolver soluções baseadas em dados.

Nova Economia da Amazônia, Regeneração Natural Assistida em larga escala na Amazônia brasileira.7

COIAB

Direitos Indígenas, Territórios, Cultura, Sustentabilidade

Auto-representação dos povos indígenas, demarcação de terras, saúde e educação diferenciadas, sustentabilidade.

Mais de 33 projetos estratégicos, articulação política, desenvolvimento institucional, apoio a mulheres e jovens indígenas.4

Projeto Saúde e Alegria (PSA)

Desenvolvimento Comunitário, Saúde, Educação, Economia da Floresta

Melhorar qualidade de vida e cidadania das comunidades, desenvolvimento integrado e sustentável.

Abaré – Saúde da Família Fluvial, Unidades Socioprodutivas, Energias Renováveis, Territórios de Aprendizagem.4

Greenpeace Brasil

Combate ao Desmatamento, Mineração Ilegal, Direitos Indígenas

Denunciar crimes ambientais, combater exploração ilegal, defender comunidades, promover justiça climática.

Campanhas “Petróleo na Amazônia não!”, “Amazônia livre do garimpo”, “Luta pela justiça climática”.4

Instituto Escolhas

Desenvolvimento Sustentável, Políticas Públicas

Qualificar o debate público, propor soluções baseadas em dados para sustentabilidade e redução de desigualdades.

Estudos e análises sobre desafios socioambientais, pesquisa e ciência de dados para políticas.9

Instituto Peabiru

Protagonismo Social, Sociobiodiversidade, Direitos Fundamentais

Fomentar protagonismo de grupos sociais da Amazônia, fortalecer organização social, valorizar sociobiodiversidade.

Assistência técnica a agricultores familiares, fortalecimento de cadeias de valor (açaí, pesca), responsabilidade social corporativa.9

 

4. Panorama Financeiro: Investimentos e Fontes de Recursos

 

4.1. Estrutura de Financiamento

 

As ONGs que atuam na Amazônia brasileira dependem de uma estrutura de financiamento diversificada, que inclui fontes internacionais, nacionais e parcerias governamentais. A dependência de financiamento externo é um aspecto recorrente nas discussões sobre a atuação dessas organizações. As investigações de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Brasil têm frequentemente apontado para a presença de “interesses ocultos” 2 e detalhado o fluxo de recursos estrangeiros.16 Essa dependência, embora forneça recursos cruciais para a implementação de projetos, pode levantar questionamentos sobre a soberania nacional e o alinhamento das agendas das ONGs com as prioridades de desenvolvimento do Brasil, criando uma tensão entre os objetivos ambientais globais e as necessidades de desenvolvimento econômico local.

As principais fontes de recursos incluem:

  • Doações Internacionais: Uma parcela significativa do financiamento provém de governos estrangeiros, fundações filantrópicas e doadores privados internacionais.2
  • Doações Nacionais: Contribuições de indivíduos e entidades do setor privado dentro do Brasil também são importantes.5
  • Subsídios e Parcerias Governamentais: Mecanismos como o Fundo Amazônia e acordos diretos com agências federais e estaduais constituem uma via substancial de financiamento.3

 

4.2. Volume de Recursos Gerenciados e Investidos

 

O volume de recursos que circulam no ecossistema de ONGs da Amazônia é considerável, embora a transparência possa variar.

  • Fundo Amazônia: Este é um dos principais instrumentos de captação de doações não-reembolsáveis para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além de promoção da conservação e uso sustentável na Amazônia Legal.19
  • O valor total de apoio do Fundo Amazônia atingiu R$ 4.277 milhões (aproximadamente R$ 4,3 bilhões), com R$ 1.984 milhões (cerca de R$ 2,0 bilhões) já desembolsados.19
  • O fundo apoiou 131 projetos, envolvendo municípios, estados, a União, o Terceiro Setor, universidades e projetos internacionais.19
  • Recentemente, foram anunciadas novas doações no montante de aproximadamente R$ 3,1 bilhões, com R$ 741 milhões já contratados, o que tem permitido acelerar a implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).22
  • Projetos específicos apoiados no Terceiro Setor incluem a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Estado do Acre (Cooperacre) com R$ 4,98 milhões, o Projeto Reca com R$ 6,42 milhões, a Associação do Centro de Tecnologia Alternativa (CTA) com R$ 3,24 milhões e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) com R$ 9,27 milhões.19
  • Investigações de CPIs: As Comissões Parlamentares de Inquérito têm lançado luz sobre o financiamento de algumas ONGs. Uma CPI na Câmara dos Deputados investigou o financiamento de ONGs na Amazônia, notando mais de R$ 500 mil doados a seis instituições entre 2020 e 2022.18 Contudo, um relatório de uma CPI posterior (2023) afirmou que seis ONGs investigadas receberam mais de R$ 3 bilhões e teriam prejudicado o desenvolvimento amazônico.23 A disparidade entre o valor de R$ 500 mil para seis ONGs em um período e R$ 3 bilhões para seis ONGs em outro, provenientes de diferentes CPIs (Câmara versus Senado), aponta para uma notável diferença no escopo ou nos conjuntos de organizações/períodos investigados. Essa divergência indica que a transparência financeira ainda é um desafio significativo, e a real dimensão dos fundos geridos por todas as ONGs, especialmente aquelas que não operam sob acordos governamentais diretos, permanece difícil de ser plenamente conhecida. O montante de R$ 3 bilhões, se preciso, revela uma pegada financeira substancial para um número limitado de organizações, o que naturalmente convida a um escrutínio mais aprofundado sobre a gestão desses fundos e sua consonância com os objetivos declarados.
  • Financiamento de ONGs Específicas:
  • WRI Brasil: A organização publica relatórios anuais e demonstrações financeiras auditadas, evidenciando seu compromisso com a transparência.24 Um estudo do WRI Brasil, “Nova Economia da Amazônia”, projeta que a bioeconomia tem o potencial de adicionar R$ 45 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) nacional e gerar mais de 800 mil empregos no Brasil até 2050.27 Essa projeção de um incremento de R$ 45 bilhões no PIB e a criação de 800 mil empregos através da bioeconomia, conforme estudos do WRI Brasil 27, altera a percepção da conservação, transformando-a de um custo em uma oportunidade econômica. Isso destaca uma tendência crucial na forma como as ONGs estão concebendo seu trabalho: não apenas como proteção ambiental, mas como um caminho para o crescimento econômico sustentável e a geração de empregos, alinhando-se com os objetivos de desenvolvimento nacional mais amplos.
  • COIAB: A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira tem sua gestão financeira supervisionada por um departamento de monitoramento, e seus relatórios financeiros são apresentados aos Conselhos Fiscal e Deliberativo.29 A COIAB está envolvida em iniciativas que buscam financiamento climático direto para os povos indígenas, ressaltando que menos de 1% dos recursos climáticos globais chegam diretamente às comunidades tradicionais.31 A defesa da COIAB por “financiamento climático direto” para os povos indígenas 31 revela uma questão sistêmica crítica: o fluxo limitado de fundos climáticos internacionais que chegam às comunidades de base, muitas vezes os guardiões mais eficazes da floresta. Isso aponta para um desafio mais amplo nos mecanismos de financiamento climático global e posiciona a COIAB como uma defensora chave para uma distribuição de recursos mais equitativa e eficiente.
  • Projeto Saúde e Alegria (PSA): Em 2020, o PSA registrou uma receita total de R$ 13.860.653,03, incluindo R$ 5.637.200,00 provenientes de subsídios governamentais (BNDES) e doações condicionais significativas.21 A organização tem investido na eletrificação rural, com a implantação de 55 sistemas fotovoltaicos residenciais, 22 sistemas de bombeamento fotovoltaico, e sistemas de energia solar para escolas, unidades básicas de saúde e pontos de acesso à internet.33 Os investimentos específicos do PSA em sistemas de energia solar para residências, escolas e unidades de saúde 33 demonstram uma contribuição direta e tangível para a melhoria da qualidade de vida e da infraestrutura em comunidades amazônicas remotas. Isso vai além do conceito abstrato de “desenvolvimento”, materializando-se em projetos concretos que abordam necessidades fundamentais como o acesso à energia, essencial para o bem-estar geral e o desenvolvimento sustentável das comunidades.
  • Greenpeace Brasil: As receitas totais do Greenpeace Brasil somaram R$ 61,9 milhões em 2022, um aumento de 12% em relação aos R$ 55,2 milhões de 2021.34 A organização mantém sua independência financeira, recebendo doações exclusivamente de indivíduos.5 Investigações conduzidas pelo Greenpeace revelaram que bancos públicos e privados destinaram mais de R$ 43 milhões em crédito rural entre 2018 e 2023 para propriedades com irregularidades socioambientais na Amazônia.36 A política rigorosa do Greenpeace de aceitar doações
    apenas de indivíduos 5 é uma estratégia deliberada para preservar sua independência de influências corporativas ou governamentais. Esse modelo financeiro permite que a organização atue como um denunciante audaz e intransigente de crimes ambientais e irregularidades financeiras 5, capacitando-a a desafiar atores poderosos sem o receio de retaliações de financiadores institucionais.

 

4.3. Transparência e Prestação de Contas Financeiras

 

A transparência e a prestação de contas financeiras são elementos cruciais para a credibilidade das ONGs. Muitas organizações proeminentes, como WRI Brasil e Greenpeace Brasil, publicam relatórios anuais e demonstrações financeiras auditadas, o que reforça seu compromisso com a prestação de contas.17 O Fundo Amazônia também disponibiliza relatórios detalhados sobre os projetos apoiados e os valores desembolsados, contribuindo para a visibilidade dos investimentos públicos e de doadores.19

No entanto, relatórios históricos de CPIs têm levantado preocupações significativas sobre a falta de transparência, a contabilidade irregular e a existência de fundos estrangeiros não declarados por parte de algumas ONGs.16 Os dados revelam uma clara dicotomia: enquanto grandes e estabelecidas ONGs promovem ativamente a transparência por meio de relatórios auditados, investigações passadas de CPIs expõem uma corrente subjacente de opacidade e alegada má conduta financeira entre outras organizações, talvez menores ou menos formalmente estruturadas.16 Isso indica que o termo “ONG” não se refere a uma entidade monolítica, e que os esforços regulatórios devem distinguir entre organizações bem governadas e transparentes e aquelas que podem explorar o arcabouço legal para ganhos ilícitos. O desafio reside em universalizar os padrões de transparência em todo o espectro das organizações da sociedade civil.

Tabela 3: Financiamento do Fundo Amazônia e Principais ONGs (Valores em R$ Milhões)

 

Entidade/Fundo

Tipo de Recurso

Valor (R$ Milhões)

Período/Notas

Fundo Amazônia

Apoio Total

4.277

Projetos apoiados.19

Fundo Amazônia

Desembolsado Total

1.984

Valores já efetivamente pagos.19

Fundo Amazônia

Novas Doações Anunciadas

~3.100

Com R$ 741 milhões já contratados.22

CPI da Câmara dos Deputados (2020-2022)

Doações investigadas

>0.5

Para seis instituições.18

CPI do Senado (2002-2023)

Recursos investigados

>3.000

Para seis ONGs, alegadamente prejudicaram o desenvolvimento.23

Greenpeace Brasil

Receita Anual

61.9

Em 2022 (aumento de 12% em relação a 2021).34

Projeto Saúde e Alegria (PSA)

Receita Total

13.86

Em 2020.21

Projeto Saúde e Alegria (PSA)

Subsídios Governamentais

5.637

Do BNDES, em 2020.21

WRI Brasil

Potencial Econômico Bioeconomia

45.000 (adicional ao PIB nacional)

Projeção até 2050.27

 

5. Contribuições e Interlocução com o Ministério do Meio Ambiente e Outros Órgãos Governamentais

 

5.1. Parcerias e Mecanismos de Colaboração

 

A colaboração entre ONGs e o governo brasileiro, especialmente o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), é um pilar fundamental para a gestão ambiental na Amazônia. O Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES sob a orientação do MMA, exemplifica essa parceria.19 Sua finalidade é captar doações não-reembolsáveis para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e promoção da conservação e uso sustentável da Amazônia Legal.19

O Fundo Amazônia apoia projetos com diversas entidades, incluindo o “Terceiro Setor”, que engloba as ONGs.19 Essa estrutura, que envolve um banco público (BNDES), a política governamental (MMA), países doadores e organizações da sociedade civil (ONGs) 19, posiciona o Fundo Amazônia como uma plataforma crucial para múltiplos

stakeholders. Isso sugere que a governança eficaz da Amazônia exige esforços integrados que vão além dos papéis governamentais tradicionais, com as ONGs atuando como implementadores e parceiros chave na tradução de políticas em ações no terreno.

Projetos específicos apoiados pelo Fundo Amazônia com entidades do terceiro setor incluem iniciativas para o fortalecimento da economia de base florestal sustentável (como a Cooperacre), a regularização ambiental (como a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável – FBDS) e o desenvolvimento de cadeias de valor da agricultura familiar (como a Associação do Centro de Tecnologia Alternativa – CTA).19 O Fundo já apoiou 131 projetos, totalizando R$ 4.277 milhões em valor de apoio.19 O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, ressalta que o Fundo Amazônia tem demonstrado ser um instrumento fundamental para unir preservação com desenvolvimento sustentável e melhoria de vida para as populações da Amazônia, através da parceria com países doadores, organizações da sociedade civil, estados da Amazônia Legal e a União.20 O Fundo também contribui para o fortalecimento de organizações como a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) por meio de iniciativas como o Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI).20

 

5.2. Impacto das Ações das ONGs na Agenda Ambiental e de Desenvolvimento Sustentável

 

As ONGs desempenham um papel vital na implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), executando projetos alinhados às suas diretrizes.22 Suas atividades se concentram em eixos estratégicos como produção sustentável, monitoramento e controle, ordenamento territorial, e ciência, inovação e instrumentos econômicos.19

Por exemplo, o Projeto Saúde e Alegria complementa políticas públicas nas áreas de saúde e saneamento, e implementa soluções de energia renovável em comunidades remotas, contribuindo diretamente para a melhoria da infraestrutura e qualidade de vida.8 O estudo “Nova Economia da Amazônia” do WRI Brasil visa estruturar uma economia livre de desmatamento, com projeções de contribuição significativa para o PIB nacional e a criação de empregos.27 A descrição do Fundo Amazônia apoiando projetos “acoplados a políticas públicas de abrangência em todo o bioma” 22 indica que as ONGs não são apenas atores independentes, mas parte integrante da operacionalização das estratégias ambientais governamentais. Sua presença no terreno e expertise especializada permitem que implementem projetos em uma escala e com um alcance que os órgãos governamentais poderiam ter dificuldade em atingir sozinhos, fomentando a inovação em práticas sustentáveis.

 

5.3. Desafios na Coordenação e Fiscalização

 

Apesar da colaboração existente, a relação entre o governo e as ONGs na Amazônia é marcada por desafios, especialmente no que tange à coordenação e fiscalização. As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) têm consistentemente apontado questões como a falta de registros adequados, a aplicação irregular de fundos e o potencial para fraudes.16 A necessidade de mecanismos de controle mais rigorosos, relatórios financeiros transparentes e processos de licitação pública para o uso de fundos públicos é frequentemente enfatizada.16

A dependência simultânea de ONGs para a implementação de políticas (evidenciada pelo Fundo Amazônia) e as preocupações documentadas sobre sua transparência e potenciais irregularidades (destacadas pelos relatórios das CPIs) 2 cria um paradoxo para os órgãos governamentais. Isso aponta para um desafio sistêmico em equilibrar os benefícios do engajamento da sociedade civil com o imperativo da prestação de contas e da integridade pública. A tensão entre fomentar a colaboração e impor uma fiscalização rigorosa constitui um dilema político central.

 

6. Desafios, Controvérsias e Percepções Críticas

 

6.1. Alegações de Irregularidades e Interesses Ocultos

 

A atuação das ONGs na Amazônia tem sido alvo de críticas e investigações, com alegações de irregularidades e a existência de interesses que transcendem os objetivos declarados. Em 2011, o General Maynard Marques Santa Rosa afirmou que, embora as ONGs oficialmente visem a defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas, “muitas têm interesses ocultos como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de pessoas e até mesmo espionagem”.2 Ele também destacou a ausência de restrições à atuação de ONGs no Brasil, ao contrário de outros países, devido à Constituição Federal.2

A CPI das ONGs de 2001-2002 investigou alegações de atividades irregulares, especialmente na Amazônia. Seu relatório final 16 detalhou preocupações como:

  • Biopirataria e Grilagem de Terras: Casos como a “ASSOCIAÇÃO AMAZÔNIA”, que supostamente formalizou reivindicações de terras públicas e tinha laços com organizações que buscavam patentear moléculas de plantas tropicais.16
  • Má Conduta Financeira: Recebimentos de moeda estrangeira não declarados, falta de contabilidade adequada e desvio de fundos (e.g., PACA, ASSOCIAÇÃO AMAZÔNIA).16
  • Lobby e Influência Indevida: Casos como a NAPACAN, financiada por uma empresa farmacêutica, que supostamente fez lobby para a aprovação de medicamentos.16
  • Falta de Registro Adequado: Muitas ONGs, especialmente na área de saúde indígena, não possuíam os registros necessários (e.g., PACA, CUNPIR, CIR).16
  • “Indivíduos Não-Governamentais”: Preocupações de que algumas ONGs foram criadas para benefício pessoal, funcionando como veículos de emprego para seus fundadores.16
  • Qualidade Insatisfatória de Serviços: Comunidades indígenas relataram serviços de saúde insatisfatórios, apesar do financiamento público significativo para as ONGs.16

Mais recentemente, a CPI das ONGs de 2023 investigou a atuação de organizações da sociedade civil que receberam recursos públicos entre 2002 e 2023.38 O relatório final dessa comissão sugeriu seis projetos legislativos e pediu o indiciamento do presidente do ICMBio por corrupção passiva e improbidade administrativa.23 O relator, Senador Marcio Bittar, alegou que seis ONGs investigadas receberam mais de R$ 3 bilhões e teriam prejudicado o desenvolvimento da região amazônica.23 A natureza recorrente das CPIs (2001-2002 e 2023) que investigam alegações semelhantes de má conduta financeira, interesses ocultos e impactos negativos 2 sugere que esses não são incidentes isolados, mas sim indicadores de vulnerabilidades sistêmicas no arcabouço regulatório e de fiscalização para as ONGs no Brasil. A persistência dessas questões, apesar de investigações anteriores, aponta para desafios enraizados em garantir a transparência e a prestação de contas em um setor que opera com autonomia considerável e frequentemente gerencia fundos substanciais.

 

6.2. Debates sobre Soberania Nacional e Influência Externa

 

A atuação de ONGs, especialmente aquelas com financiamento estrangeiro, tem alimentado debates sobre a soberania nacional e a influência externa na Amazônia. Há preocupações de que ONGs estrangeiras possam promover a “internacionalização da Amazônia brasileira” e serem insensíveis aos sentimentos patrióticos.16 Alegações de intervenção em setores econômicos nacionais, como o caso da Focus on Sabbatical, que supostamente pagou agricultores para não plantar soja, visando reduzir a produção agrícola brasileira e sua competitividade internacional, foram investigadas.16 A CPI de 2001-2002 destacou as “gravíssimas implicações de associações integradas por estrangeiros deterem ou possuírem grandes extensões do território nacional”, especialmente na Amazônia.16 A ênfase repetida na “soberania nacional”, nos “interesses estrangeiros” e na “internacionalização da Amazônia” 2 eleva a discussão para além de meras irregularidades financeiras, tornando-a uma preocupação geopolítica. Isso sugere que as atividades de algumas ONGs, particularmente aquelas com financiamento ou influência externa significativa, são percebidas por certos atores nacionais como uma ameaça ao controle do Brasil sobre seu território e recursos. Essa narrativa implica um conflito ideológico mais profundo sobre quem detém o futuro da Amazônia e como seus recursos devem ser geridos.

 

6.3. Impactos Socioeconômicos e Ambientais das Ações das ONGs

 

A análise dos impactos das ONGs na Amazônia revela uma narrativa dual. Por um lado, há contribuições inegáveis e significativas para a região:

  • Impactos Positivos: ONGs contribuem para a redução do desmatamento, a promoção de práticas sustentáveis, a melhoria da saúde e educação em comunidades remotas e o fomento da bioeconomia.5 O Fundo Amazônia, por exemplo, apoia projetos que visam a produção sustentável e o ordenamento territorial.19 Organizações como o Projeto Saúde e Alegria implementam soluções de energia solar e saneamento que transformam a vida das comunidades.33 O WRI Brasil, por sua vez, projeta um futuro econômico promissor para a bioeconomia na região.27

Por outro lado, as alegações levantadas pelas CPIs apresentam um contraponto:

  • Alegações Negativas: Relatórios de CPIs sugerem que algumas ONGs “prejudicaram o desenvolvimento da região amazônica” 23 e causaram “significativos prejuízos econômicos e sociais ao retardarem ou inviabilizarem grandes obras de infraestrutura”.16

A pesquisa revela uma narrativa contraditória: de um lado, as ONGs são elogiadas por suas contribuições positivas à conservação e ao desenvolvimento sustentável 5; de outro, são acusadas por inquéritos oficiais de dificultar o desenvolvimento e de se envolverem em atividades ilícitas.2 Essa contradição ressalta a natureza altamente politizada do debate em torno das ONGs na Amazônia, onde suas ações são interpretadas sob diferentes prismas, dependendo da agenda ou perspectiva do observador. Isso exige uma compreensão matizada que reconheça tanto suas contribuições vitais quanto as preocupações legítimas sobre suas operações.

 

7. Conclusões e Recomendações Estratégicas

 

7.1. Síntese dos Principais Achados e Tendências

 

A paisagem das Organizações Não Governamentais na Amazônia brasileira é vasta e multifacetada. A quantificação exata dessas entidades permanece um desafio devido às variações metodológicas e às diferentes definições de “ONG” e “OSC”, o que gera uma ampla gama de estimativas. Apesar dessa imprecisão numérica, é inegável que as ONGs desempenham um papel crucial na proteção ambiental, na defesa dos direitos indígenas e no fomento ao desenvolvimento comunitário sustentável, frequentemente complementando as iniciativas governamentais.

O Fundo Amazônia se destaca como um modelo exemplar de colaboração entre múltiplos stakeholders, canalizando recursos significativos para a conservação. No entanto, o setor enfrenta desafios persistentes relacionados à transparência, à prestação de contas e às alegações de atividades ilícitas e influência estrangeira indevida, conforme evidenciado por investigações parlamentares. Uma tendência clara que emerge é a crescente integração do desenvolvimento econômico, especialmente através da bioeconomia, com os esforços de conservação ambiental, o que representa uma evolução estratégica para muitas das principais ONGs.

 

7.2. Recomendações para Fortalecimento da Governança, Transparência e Eficácia das ONGs na Amazônia

 

Para otimizar o impacto positivo das ONGs na Amazônia e mitigar os riscos associados às irregularidades, as seguintes recomendações estratégicas são propostas:

  • Padronização de Definições e Coleta de Dados: É fundamental implementar um registro nacional unificado e estabelecer definições claras para ONGs e OSCs. Isso permitiria uma quantificação precisa e uma fiscalização mais eficaz do setor, reduzindo a ambiguidade que atualmente dificulta a distinção entre entidades legítimas e aquelas com propósitos duvidosos.
  • Transparência Financeira Aprimorada: Deve-se exigir que todas as ONGs, especialmente aquelas que recebem fundos públicos ou doações internacionais substanciais, publiquem relatórios financeiros abrangentes e de fácil acesso. Esses relatórios devem incluir detalhes sobre as fontes de financiamento e a discriminação das despesas, garantindo que os recursos sejam utilizados de acordo com os objetivos declarados e as normas legais.
  • Fortalecimento dos Mecanismos de Fiscalização: A capacidade governamental para auditar e monitorar projetos e fluxos financeiros das ONGs precisa ser aprimorada. Isso envolve investir em equipes qualificadas e tecnologias que permitam verificar a conformidade com a legislação nacional e a aderência aos objetivos dos projetos, assegurando a integridade e a eficácia dos investimentos.
  • Marco Legal Claro e Atualizado: É imperativo desenvolver uma legislação que equilibre a liberdade de associação com os interesses de segurança nacional e desenvolvimento. Essa legislação deve abordar as lacunas identificadas pelas CPIs, criando um ambiente regulatório que promova a responsabilidade e coíba práticas indevidas.
  • Promoção da Autonomia e Capacitação Local: Priorizar o financiamento e o apoio a organizações lideradas por comunidades indígenas e locais. Isso fomenta a autodeterminação e reduz a dependência de atores externos, garantindo que as soluções sejam culturalmente apropriadas e sustentáveis a longo prazo.
  • Fomento ao Diálogo Colaborativo: Estabelecer plataformas estruturadas para um diálogo contínuo e transparente entre o governo, a sociedade civil, o setor privado e as comunidades locais. Esse diálogo pode ajudar a alinhar objetivos, resolver conflitos de forma proativa e construir consensos em torno de estratégias de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
  • Investigação Sistemática de Alegações: Assegurar que todas as alegações de atividades ilícitas sejam investigadas de forma minuciosa e imparcial pelos órgãos de aplicação da lei e judiciais competentes. A publicidade dos resultados dessas investigações é crucial para construir a confiança pública e promover a responsabilização no setor.

A implementação dessas recomendações pode fortalecer o papel das ONGs como parceiras essenciais no desenvolvimento sustentável da Amazônia, ao mesmo tempo em que garante a transparência e a prestação de contas necessárias para proteger os interesses nacionais e o bem-estar das populações locais.

Referências citadas

  1. Quantas ONGs Existem na Amazônia? Um Guia Completo e Atualizado em 2024 | ONG Zoé, acessado em agosto 12, 2025, https://ongzoe.org/quantas-ongs-na-amazonia/
  2. General ressalta interesses ocultos de ONGs na Amazônia – Câmara dos Deputados, acessado em agosto 12, 2025, https://www.camara.leg.br/noticias/99225-general-ressalta-interesses-ocultos-de-ongs-na-amazonia/
  3. Projetos – Fundo Amazônia, acessado em agosto 12, 2025, https://www.fundoamazonia.gov.br/pt/biblioteca/projetos/
  4. As 10 principais ONGs que lutam pela Floresta Amazônia – ONG Zoé, acessado em agosto 12, 2025, https://ongzoe.org/as-10-principais-ongs-que-lutam-pela-amazonia/
  5. Greenpeace Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.greenpeace.org/brasil/
  6. COIAB – Unir para organizar, fortalecer para conquistar., acessado em agosto 12, 2025, https://coiab.org.br/
  7. WRI Brasil | Realizando Grandes Ideias | WRI Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://wribrasil.org.br/
  8. Projeto Saúde & Alegria, acessado em agosto 12, 2025, https://saudeealegria.org.br/
  9. Organizações da Sociedade Civil – Aliança pela Restauração na Amazônia, acessado em agosto 12, 2025, https://aliancaamazonia.org.br/membros/organizacoes-da-sociedade-civil/
  10. Sobre o Escolhas, acessado em agosto 12, 2025, https://escolhas.org/sobre-o-escolhas/
  11. Instituto Escolhas — Controladoria-Geral da União – Portal Gov.br, acessado em agosto 12, 2025, https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/iniciativas-de-governo-aberto/organizacoes-da-sociedade-civil/de-a-a-z/instituto-escolhas
  12. Amigos da Terra – Amazônia Brasileira: Home, acessado em agosto 12, 2025, https://amigosdaterra.org.br/
  13. Amigos da Terra – Amazônia Brasileira – Idealist, acessado em agosto 12, 2025, https://www.idealist.org/pt/ong/18a1ba2bb69a4393b707457e76706be5-amigos-da-terra-amazonia-brasileira-sao-paulo
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  16. RELATÓRIO CPI ONG – Senado Federal, acessado em agosto 12, 2025, https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4185258&disposition=inline
  17. Relatórios Anuais – Greenpeace Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.greenpeace.org/brasil/como-nos-mantemos/relatorios-anuais/
  18. Conexão Agro: CPI investiga financiamento de ONGs na Amazônia | CNN NOVO DIA, acessado em agosto 12, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=P3MRbtIX12g
  19. Fundo Amazônia, acessado em agosto 12, 2025, https://www.fundoamazonia.gov.br/pt/home/
  20. Fundo Amazônia faz 17 anos com apoio a mais de 600 entidades comunitárias e impacto em mais 260 mil pessoas, acessado em agosto 12, 2025, https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/fundo-amazonia-faz-17-anos-com-apoio-a-mais-de-600-entidades-comunitarias-e-impacto-em-mais-260-mil-pessoas
  21. RELATÓRIO ANUAL DE ATIVIDADES 2020 – Saúde e Alegria, acessado em agosto 12, 2025, https://saudeealegria.org.br/wp-content/uploads/2021/06/RELATORIO-ANUAL-DE-ATIVIDADES-2020_PSA.pdf
  22. RELATÓRIO DE ATIVIDADES 2023 – Fundo Amazônia, acessado em agosto 12, 2025, https://www.fundoamazonia.gov.br/pt/.galleries/documentos/rafa/RAFA_2023_port.pdf
  23. CPI das ONGs pede indiciamento do presidente do ICMBio em relatório – Poder360, acessado em agosto 12, 2025, https://www.poder360.com.br/congresso/cpi-das-ongs-pede-indiciamento-do-presidente-do-icmbio-em-relatorio/
  24. Transparência | WRI Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.wribrasil.org.br/transparencia
  25. Amigos da Terra – Amazônia Brasileira – Demonstrações Contábeis …, acessado em agosto 12, 2025, https://amigosdaterra.org.br/wp-content/uploads/2025/05/2024-2025-AdT-Relatorio-de-auditoria.pdf
  26. WRI Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.wribrasil.org.br/sites/default/files/2024-08/Demonstracoes-financeiras-WRI-BRASIL-2023-Portugues.pdf
  27. Bioeconomia já movimenta R$ 9 bilhões no Pará e pode crescer com a COP 30, acessado em agosto 12, 2025, https://cop.dol.com.br/amazonia/bioeconomia-ja-movimenta-r-9-bilhoes-no-para-e-pode-crescer-com-a-cop-30/8058/
  28. Nova Economia da Amazônia – WRI Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.wribrasil.org.br/nova-economia-da-amazonia
  29. Monitoramento – COIAB, acessado em agosto 12, 2025, https://coiab.org.br/gerencias/monitoramento/
  30. estatuto social da coordenação das organizações indígenas da amazônia – COIAB, acessado em agosto 12, 2025, https://coiab.org.br/wp-content/uploads/2025/05/ESTATUTO-DA-COIAB.pdf
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  32. G9 da Amazônia indígena pede financiamento climático direto e fim da exploração de petróleo na Amazônia – COIAB, acessado em agosto 12, 2025, https://coiab.org.br/g9-da-amazonia-indigena-pede-financiamento-climatico-direto-e-fim-da-exploracao-de-petroleo-na-amazonia/
  33. Projeto Saúde e Alegria – Energia Cooperativa, acessado em agosto 12, 2025, https://www2.energia.coop/brasil/mapa-de-iniciativas/off-grid/saude-e-alegria/
  34. Relatório anual 2022: Transparência Financeira – Greenpeace Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.greenpeace.org/brasil/relatorio-anual-2022/transparencia-financeira/
  35. Relatório Anual 2024 – Greenpeace Brasil, acessado em agosto 12, 2025, https://www.greenpeace.org/brasil/publicacoes/relatorio-anual-2024/
  36. Investigação do Greenpeace mostra como bancos financiam desmatamento ilegal, acessado em agosto 12, 2025, https://projetocolabora.com.br/ods14/investigacao-do-greenpeace-bancos-financiam-desmatamento-ilegal/
  37. Bancos financiam expansão ilegal do agronegócio sobre a Amazônia, revela relatório, acessado em agosto 12, 2025, https://www.brasildefato.com.br/2024/04/09/bancos-financiam-expansao-ilegal-do-agronegocio-sobre-a-amazonia-revela-relatorio/
  38. CPI das ONGs aprova relatório, que sugere seis projetos e um indiciamento, acessado em agosto 12, 2025, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/12/cpi-das-ongs-aprova-relatorio-que-sugere-seis-projetos-e-um-indiciamento
  39. CPI das ONGs investigou entidades com atuação na Amazônia; relatório sugere projetos e indiciamento – YouTube, acessado em agosto 12, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=PWOQTZm-2eo
  40. Relatório final : CPI das ONGs na Amazônia – Senado, acessado em agosto 12, 2025, https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/650835

CPI das ONGs recebe relatório final e presidente concede vista coletiva – Senado Federal, acessado em agosto 12, 2025, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/05/cpi-das-ongs-recebe-relatorio-final-e-presidente-concede-vista-coletiva

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